O reizinho está nu?
Bom, se você é um leitor atento, deve saber que a história dos quadrinhos tem alguns marcos clássicos, ainda que alguns sejam mais desconhecidos do que outros. Um desses mais desconhecidos, apesar de republicado há pouco tempo por aqui, é O Reizinho, de Otto Soglow.
O lançamento recente de que falei foi na coleção Opera King, da Opera Graphica, que publicou no formato de revistas com lombada quadrada vários clássicos de tiras da King Features Syndicate americana – algo curioso, quando se nota que Soglow foi posto pra correr da King pelo seu dono, o famoso William Randolph Hearst, dois anos após o criador ter estreado seu Little King na prestigiosa revista The New Yorker. Por um ano, Soglow, contratualmente, foi impedido de publicar material para sua criação, tendo que escamotear a série sob o disfarce de uma tira chamada, nada sutilmente, O Embaixador (The Ambassador).
O Reizinho tinha uma característica pouco comum até hoje nos quadrinhos: era uma série muda, tal qual o Pinduca (Henry) de Carl Anderson (que viria a ser seu concorrente, já distribuído pela KFS, na mesma época em que Soglow pôde voltar à sua tira, em 1934). Tiras mudas, quando bem feitas, tem um potencial adicional às tiras normais: a potencialização de sua universalidade.
O Reizinho foi uma tira das mais longevas nas mãos de seu próprio criador, durando até a morte de Soglow, em 1975. Ainda em vida, o criador ganhou dois dos mais prestigiosos lauréus de sua época: o Reuben, em 1966, e o Elsie Segar, em 1972. Depois disso, no entanto, não havia mais quem pudesse carregar o cetro. Isso, claro, até a virada do século, quando um outro rei, surgido na distante Zurique, resolveu mais uma vez usar a coroa. E este post é para corrigir, enfim, o imperdoável erro de nunca se ter comentado, no UHQ, sobre o badaladíssimo When I am King, de Demian5, provavelmente o primeiro webcomic a quebrar os paradigmas de leitura e execução na rede mundial e que abriu as portas para incontáveis novos criadores, em boa parte graças ao seu grande divulgador, Scott McCloud.
When I am King (que podemos traduzir para Quando sou Rei) foi lançado em outubro de 1999 e pegou todo mundo de surpresa: uma tira muda, tal e qual a criação de Soglow, totalmente produzida e pensada para o meio digital. Cada episódio de cada capítulo se utiliza de modo expressivo da técnica da página infinita. Todas as semanas, um novo episódio ia ao ar, fazendo com que os leitores crescessem e se espalhassem naquele universo que tinha recém-descoberto os instant messengers e que fervilhava nos antigos métodos de chat coletivos.
Algumas características marcantes da série: a utilização de cores que só se poderia ver corretamente numa tela, a estilização extrema, a liberdade criativa total (sem qualquer preocupação, como o contrato com uma editora), o uso de animações e a criação de recursos iconográficos para representação de movimentação (que romperam com todas as escolas até então conhecidas). A história era a franca favorita para vencer o Prêmio Ignatz, que pela primeira vez agraciaria uma obra criada para o meio digital, mas a premiação foi suspensa naquele 2001, graças a Osama e seu ataque-a-la-logotipo-do-Bradesco.
When I am King é único e, para a sorte de todos, ainda é mantido no ar pelo seu criador, que decidiu cobrar (barato, aliás) pela visualização de suas outras obras em quadrinhos online. Boa parte, é bom que se diga, inacabada. Se você ainda não conhece, pode clicar e se preparar para ganhar horas de real divertimento com este divertido Rei (quase um Faraó, aliás) que, em suas buscas pelo deserto, tem que lidar com inúmeros perigos e, quem diria, um camelo muito, muito atrevido.
4 comentários:
Fugindo um pouco do tema, Sidney, você sabe informar o que aconteceu com o resto das Sandman pela Conrad? Grato a quem souber algo.
Marcilio, o nono volume sai em março, pelo que fui informado.
Bom texto, Delfin!
A história também é duca, Guilherme. Se você não conhece, perca um tempo conhecendo. Eu gosto muito.
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