29 maio 2009

Following Friday - J. M. Trevisan

Quem joga RPG certamente já ouviu falar em J. M. Trevisan. Ele foi um dos responsáveis pela famosa revista Dragão Brasil, pelo Tormenta - um cenário de RPG de fantasia medieval - e por várias outras criações na área.

Mas Trevisan é muito mais que isso. Fã de quadrinhos, literatura, música, ele se mostrou um escritor multimídia com uma produção diferenciada.

Então, conheça melhor o Trevisan e passe a acompanhar o trabalho dele.

Blog do UHQ: Você é sempre lembrado pelo seu trabalho com RPG - principalmente na Dragão Brasil, com o Marcelo Cassaro e o Rogério Saladino. Como começou a jogar RPG? Como é a sua relação com o RPG hoje?

Trevisan: Comecei aos 15 anos, graças à loja especializada Forbidden Planet, em São Paulo. Eu tinha aulas em um curso de História em Quadrinhos no SESC Pompéia, e a loja ficava em um shopping vizinho. Acabei conhecendo o RPG por meio dos livros-jogo.

Daí para o jogo propriamente dito foi um pulo. Era uma época diferente, sem internet. As pessoas precisavam se juntar para conhecer o
hobby e estávamos todos aprendendo ao mesmo tempo.

Apesar do incentivo que a descoberta me trouxe, não comecei a escrever por causa do RPG. Já escrevia antes e tinha uma produção voltada para contos e HQs. O jogo só juntou todos os meus gostos em um lugar só.

Minha relação com o RPG hoje é um tanto complicada. Depois de quase 15 anos no ramo, você tem vontade de fazer outras coisas, criar algo de destaque em outras linhas de frente. Não me considero aposentado do ramo, mas posso dizer com segurança que minhas metas principais, meu foco, estão em outras coisas.

Tenho muito orgulho de ser conhecido como autor de RPG e faço questão de citar isso em todas as entrevistas, mas o tempo passa e a gente acaba criando outros interesses. Claro que nada me impede de voltar a produzir. Temos inclusive os novos livros básicos de Tormenta a caminho, ainda este ano, em comemoração aos dez anos do cenário.


A seu ver existe uma baixa no mercado de RPG atualmente? Isso mudou sua forma de produção?

A ideia de que existe uma crise no RPG é e meio tosca e simplista. Serve para justificar uma série de fracassos de outras pessoas e não acho que seja justa com quem conseguiu se manter.

Há uma retração geral, em todas as esferas. E como qualquer mídia, o RPG também é afetado. Não é a primeira vez e não será a última. Crise, pra mim, é quando ninguém consegue sobreviver, independentemente da estratégia elaborada ou de sua competência.

Não é o que temos hoje.

O que ocorre é uma seleção natural: fica quem consegue se adaptar aos novos tempos. Não é uma época melhor ou pior. É apenas diferente.


Você é um cara multimídia, faz contos, roteiro de filmes, quadrinhos. Aliado a isso, hoje você pensa no cenário medieval que criou com o Cassaro e o Saladino como algo além de um produto de RPG?

É uma resposta superclichê, mas eu não imaginava que Tormenta fosse um dia fazer dez anos ainda sendo publicado. Nenhum de nós parou para pensar no que estava fazendo, a proporção da coisa.

Justamente por isso, às vezes ainda tenho dificuldades para imaginar projetos mais ambiciosos, fora do escopo do que já fazemos. Dia desses, um rapaz me escreveu dizendo que queria elaborar um projeto sério envolvendo Tormenta e jogos de computador e ainda não consegui dar uma resposta porque fico pensando: "Sério? Você quer mesmo fazer isso com o nosso cenário?".

Mas os romances, a Trilogia Tormenta, foram um belo passo nessa direção. As vendas deixaram todos satisfeitos e o primeiro volume,
O Inimigo do Mundo, está entrando em sua segunda edição.

Hoje sei que há pessoas que agora conhecem o cenário, o mundo de Arton, sem nunca terem pegado um livro de RPG na vida. Acho isso muito bacana.


Você é fã de quadrinhos e literatura e trabalha com as duas mídias. Primeiro: qual sua HQ e seu livro preferido? Segundo: com essa onda das editoras investirem em adaptações literárias para quadrinhos, já pensou ou está com algum projeto em andamento nesse sentido?

Escolher só um, assim na lata, é complicado. No que diz respeito a livros, gosto muito de A Coisa (Stephen King) e Alta Fidelidade (Nick Hornby).

Quanto a quadrinhos, sempre considerei um empate técnico entre
Watchmen e V de Vingança, pendendo mais para o segundo. Mas a série continua de que mais gostei até hoje foi Preacher (Garth Ennis). É divertidamente genial. Tenho todas as edições em inglês.

Sobre adaptar algum livro... é uma ideia interessante, mas complicada. É difícil lidar com a obra dos outros. É responsabilidade demais. Adoro Shakespeare e vivo quebrando a cabeça para achar uma forma de incluir certos elementos da obra dele numa história em quadrinhos ou RPG. Ainda não encontrei um modo.

Provavelmente preciso comer muito arroz e feijão para chegar lá. ;-)


Aliás, o que você nos diz da sua experiência com HQs? Quando a Trama publicou revistas ligadas à Dragão, o que achou daquela iniciativa? Uma estratégia como aquela funcionaria no mercado atual?

Ninguém se lembra, mas a própria Dragão abriu um espaço para quadrinhos um tanto pioneiro na época. Dentro da revista havia sempre HQs de quatro páginas e foi por essa brecha que passamos a fazer parte da equipe.

Publiquei, se não me engano, nove histórias curtas com o Greg Tocchini. Mais gente acabou se lançando no mercado a partir desta seção: o próprio Greg, Joe Prado, André Vazzios e muitos outros.

Um dia quero resgatar essas histórias e publicar no
blog, porque elas acabaram entrando meio que num limbo. Pouca gente me vê como roteirista de quadrinhos porque minha produção ficou quase que toda parada por aí e muitos leitores não tiveram acesso a ela.

As revistas surgiram na hora certa. Algumas funcionaram, outras nem tanto, mas todas serviram como experimento para que
Holy Avenger um dia fosse realizada.

Vejo a série ser bem menos valorizada do que deveria, mas não tenho duvida de que
Holy Avenger contribuiu - e muito - para o desenvolvimento da produção nacional.

Se daria certo hoje? Não sei. As editoras têm muito medo de arriscar. É preciso entender que a publicação precisa maturar, ganhar público antes de fazer sucesso e são poucos os que podem se dar ao luxo de tomar prejuízo.

Apesar da tonelada de defeitos que tem, o Ruy Pereira, dono da Trama/Talismã (hoje Melody), não tinha esse medo; e o Cassaro soube aproveitar essa oportunidade muito bem.


Como foi a sua experiência com o cinema, trabalhando no divertido Landau 66? (O filme concorreu em um páreo duro no Festival de Curtas da AXN) Tem outros projetos para cinema?

O cinema é uma coisa mágica. É absurdamente recompensador você ver a quantidade de pessoas necessárias para fazer um filme, se mobilizando em torno de uma ideia que é sua. Ver os personagens se mexendo, falando, andando. É algo que não tem preço.

Era um sonho meu e consegui realizá-lo. A equipe e a produtora com quem trabalhei foram ótimas e o diretor, além de competente, é meu amigo.

Mas você precisa aprender que, como roteirista, é só mais uma engrenagem no processo.

Você pensa a história como sua, mas na verdade tem que dividi-la com atores, diretor, montador, diretor de arte... e normalmente acaba se perdendo ali no meio.

Para quem está acostumado com trabalhos autorais é um processo difícil, que demorei para assimilar.

Outra coisa é que pensar cinema no Brasil é algo muito limitante. Você depende de editais, patrocinadores, verba, disponibilidade de atores etc. Tenho muita vontade de escrever um filme de assalto, mas independentemente do quão legal é sua ideia, você precisa parar e considerar algumas coisas...

Quem costuma patrocinar filmes são bancos. Por que um banco patrocinaria um filme em que uma agencia é assaltada? Como vou conseguir uma locação que preste sem estourar o orçamento? O governo vai querer dar dinheiro para um filme que mostra não só um grupo de bandidos brasileiros, mas que ainda se dá bem no final?

Todas essas coisas têm que ser levadas em consideração antes de você sequer sentar para escrever e isso acaba sendo um aspecto meio broxante da mídia.

Tudo isso me fez redescobrir as HQs: não há limite de orçamento, o resultado é relativamente rápido e os créditos são divididos só com mais uma ou duas pessoas (desenhista e colorista).

Não tenho dúvida de que quero voltar a trabalhar com cinema, mas minha ideia atual é voltar a produzir quadrinhos e - de repente, com sorte, se alguém se interessar - transformar essas HQs em filmes ou curtas.


Fale um pouco sobre ser escritor no Brasil, sobre transitar por todas essas mídias. É uma questão de escolha de projetos? Necessidade? Falta de uma área fixa de trabalho?

Escrevo desde os nove anos. Não sei fazer outra coisa. Ser escritor no Brasil é problemático. No ramo dos quadrinhos, não existe um mercado exatamente rentável. Livros não dão muito dinheiro, a não ser que se venda uma porrada de exemplares. E no cinema praticamente não existe o roteirista como mão-de-obra especializada (quase todos os filmes e curtas são escritos pelos próprios diretores - mas não exclusivamente - para cortar custos).

Só que é aquele negócio: a solução não é ficar chorando; é se virar. Se enfiar aqui e ali e ver no que dá. E geralmente funciona.


Você tem uma produção interessante na internet, com o seu site Laboratório do Dr. Careca e o podcast Carecast. A web tem te dado retorno?

Sendo muito honesto? Em 2005, tivemos uma briga feia com a Talismã, que foi parar nos tribunais e tudo. Isso me desiludiu muito e criei um bloqueio quase intransponível. Passei mais de um ano sem escrever e até hoje tenho mais dificuldade do que tinha antigamente.

O
blog surgiu porque, mesmo sumido, eu não queria que o público que me acompanhava na Dragão me esquecesse. Queria que as pessoas passassem a me acompanhar independentemente do que estivesse fazendo.

Por isso montei o
blog; e é esse o retorno que ele me dá. É um espaço que gosto de manter livre, para produzir quando bem entender. Queria ser um pouco mais disciplinado para postar com mais regularidade. Um dia chego lá.

Para fechar: Da mesma forma que estou indicando seu trabalho para os nossos leitores, indique alguém que você acompanha pela internet, para eles conhecerem melhor.

Sobre RPG, o blog que mais acompanho é o Área Cinza, uma ótima fonte de informações sobre o mercado.

De quadrinhos, estou sempre de olho no que o Greg (Tocchini) coloca no ar e no que Breno Tamura, meu grande parceiro, vem fazendo.

Há também o
podcast Papo de Artista, capitaneado por Rod "Zulu" Reis, que também é membro do Carecast.

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Assista o Trailer do Landau 66 - Curta participante do AXN Film Festival 2008





Zé Oliboni jogou muito RPG, nunca andou em um Landau e pode ser seguido pelo twitter/oliboni

2 comentários:

Guilherme Kroll disse...

Muito legal a entrevista e o começo do filme.

Marcelo Cruz disse...

Muito bacana a iniciativa. O pessoal do blog poderia fazer mais entrevistas com autores nacionais.