Como tudo começou
Sempre que dou uma entrevista, vira e mexe me perguntam como comecei a trampar com quadrinhos. Já contei várias vezes, mas como nem todo mundo as leu, resolvi relatar aqui.
Bem, quando terminei o colegial, aos 17 anos, entrei na faculdade de Educação Física (por ser apaixonado por esportes). Eu me formei em 1986 e em 1988 cursei jornalismo. Claro que a intenção era trabalhar com jornalismo esportivo, o que fiz (em rádio) por quase dois anos.
Mas era uma época brava. Não ganhava nada (mesmo) na rádio e ainda estava na faculdade de jornalismo (a Metodista, de São Bernardo do Campo, na qual me formei em 1991). Então, eu e um grupo de amigos criamos um jornal mural (falo de 1989, não tínhamos nem sequer computador, quanto mais net), no qual comecei a fazer algumas críticas de quadrinhos. Era a época do boom da Abril e da Globo, e todos os grandes jornais de São Paulo abriam páginas e páginas para falar de HQs.
Aí, como a galera da faculdade sempre falava que meus textos estavam bacanas, decidi usar minha boa e velha cara-de-pau para tentar a sorte! Enfiei vários desses textos (datilografados, em sulfite e com as pontas das folhas furadas – por causa das tachinhas) debaixo do braço e saí visitando as pessoas que escreviam à época - André Forastieri (Folha), Marcelo Alencar (Estadão), Alessandro Gianinni (Jornal da Tarde), Franco de Rosa (Folha da Tarde), Rosane Pavam (Diário do Grande ABC) e Leandro Luigi Del Manto (Editora Globo).
Fui sempre bem recebido, mas conseguir um frila eram outros quinhentos. Até que, numa dessas visitas, o Leandro leu e gostou do meu texto sobre Cinder e Ashe (é este aí acima), minissérie que ele editou ainda na Abril. Aí, perguntou se eu gostava de música, porque queria publicar na HQ Press (seção que saía nas páginas centrais de Sandman e Fantasma, aquele remake da DC Comics) uma matéria sobre quadrinhos e música!
Cara, naquela hora, minha alegria era tanta, que se o Leandro me perguntasse se eu gostava do Palmeiras (sou corinthiano fanático) era capaz de dizer sim... Bom, agora exagerei um bocado! :-)
Lógico que topei! Lembro que quando saí da Globo (na rua do Curtume, na Lapa), olhei pra trás pra ver se tinha alguém olhando e quando me vi sozinho, dei um salto, como se estivesse comemorando um gol. E, pra mim, foi um gol mesmo! Era a chance de entrar no mercado de quadrinhos, algo que, até então, era um sonho apenas.
Só quando baixou a adrenalina que percebi: a missão não seria nada simples. O Leandro queria sete laudas (9.800 caracteres). Eu quase não tinha material de referência e meu conhecimento sobre quadrinhos não era tão grande. Aí, liguei para a Livraria Muito Prazer, que ficava na av. São João, expliquei a situação e perguntei se poderia passar o dia pesquisando lá.
Como a resposta foi sim, fiquei lá horas e horas, folheando centenas de HQs e anotando, anotando, anotando. Começou aí o meu gosto pela pesquisa, algo que sempre norteou meus textos desde então.
É incrível me recordar como as coisas mudam, mas aquele texto eu escrevi primeiro à mão! Só depois datilografei! Resultado: 14 laudas! O dobro! Quando entreguei, enquanto o Leandro ia lendo, minha agonia só aumentava. Depois de um bom tempo, ele falou: "Gostei muito; tenho que dar um jeito de publicar inteira essa matéria!"
A sensação de dever cumprido só não foi maior do que a satisfação de sentir que eu finalmente estava assinando minha entrada no mercado de quadrinhos.
A matéria saiu nas edições 7 de Fantasma e Sandman; e como as revistas são de 1990, coloquei as quatro páginas (com poucas ilustrações, porque eu escrevi demais) aqui, num tamanho legal, pra quem quiser ler.
Depois, com ela debaixo do braço, consegui mais frilas. Passei para jornais (o primeiro foi o Jornal da Tarde), entrei na Globo, pra trabalhar como redator, escrevi para várias revistas e o resto é história (que, com o tempo, contarei aqui).
Desde então, acho que não passei nem um mês de minha vida sem escrever (nem que fosse uma notinha) sobre quadrinhos. Claro que, hoje, quando leio aqueles textos do jornal mural, penso: "Nossa, como eu pude escrever isso?". Mas isso é natural com qualquer profissional, em qualquer ramo de atividade, quando se recorda de seu início de carreira! E, quer saber? É uma lembrança deliciosa!
Por isso mesmo, todas essas matérias estão na página de abertura de meu portfólio (tenho todas as matérias que publiquei até hoje). Guardo-as com todo carinho, pois foi com aquelas folhas datilografadas e amareladas que minha carreira começou! E devo muito a elas!
* Este post foi criado no dia 28 de maio de 2006 e "subido" a pedido do leitor Geraldo Moreira Alves.
6 comentários:
Ei, eu lembro dessa matéria, achei até esquisito na época, porque ficou maior que de costume, agora já entendi porque. Mais um grande mistério da vida é revelado! Obrigado Sidney!
Também me lembro dessa matéria de música, mas nunca a tinha lido completa. Muito boa mesmo.
Abração.
Eu também li essa matéria na época. Ainda era apenas um leitor.
Uma grande experiência mesmo! A partir dela dá pra entender como as coisas mudaram hoje. Não apenas o modo de se falar do assunto, mas também a maneira de ingressar no meio. Isto é, falar sobre, qualquer um pode, porém, se destacar no meio é outra história. Ainda assim é um grande incentivo! Parabéns e que muitas recordações venham pela frente ainda!
Essa matérias que saíam na revista do Sandman, e que a Pixel vem ensaiando fazer em suas publicãções mensais, são maravilhosas!
Se eu tivesse que escolher, pegaria as edições brazucas de Lorde Morpheus só por causa delas...
Legal, Sidão, estas memórias são sempre gostosas, mesmo para nos que participamos apenas como leitores!
Lembro também da primeira "participação" do Leandro em uma HQ: foi em uma sessão de cartas de uma revista da Abril, se não me engano foi em uma Heróis da TV, de 1979 ou menos. Detalhe: a participação não foi como editor, mas como um leitor que mandava seus comentários! :)
Abração e continue sempre com o bom trabalho!
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