Fetiches e Guerras
Muita gente falou mal do final da minissérie Guerra Civil. O Sidão e o Nara, em particular, colocaram como o pior título que leram em janeiro. Por um lado, é de se esperar essa reação. A minissérie vinha caminhando muito bem, com uma história empolgante, mas teve um final, no mínimo, anti-climático.
No meio do auge da luta entre os heróis, algo que o Nasi vem apontando como um grande fetichismo para leitores, o Capitão América vê a destruição que está causando e simplesmente pára de lutar. Do nada, a batalha termina, Steve Rogers se entrega para a polícia e o lado do Homem de Ferro “vence”.
Deixando de lado a opinião daqueles que estavam torcendo por uma grande vitória do Capitão América e se decepcionaram, vários questionamentos foram levantados sobre esse final, sendo o principal deles o fato do Capitão ter percebido só agora os estragos que os super-humanos causam.
Se pensarmos bem, o grande problema foi a frustração que o final causou diante da expectativa que se tinha, pois, olhando o quadro geral, esse era o melhor encaminhamento que se poderia ter.
Mais do que uma história de fetiches, essa minissérie estava mostrando a posição editorial da Marvel para os novos tempos em que vivemos. A editora sempre foi famosa por levar mais realismo às suas histórias, humanizar os heróis e fazer os leitores se identificarem com eles.
Contudo, o tempo foi passando e a realidade que a editora mostrava em suas tramas estava cada vez mais distante do que os leitores esperavam, principalmente depois de dezenas de outras HQs que se propunham a mostrar como seriam heróis no nosso mundo.
Assim, para tentar marcar uma certa mudança de rumo, eles promoveram essa Guerra que opõe heróis tradicionais e personagens com uma concepção mais atual. De um lado, as identidades secretas, as roupas coloridas e o senso sempre afiado de ética, justiça e liberdade. De outro, a lei, a burocracia, o jogo político sujo e a noção de que o mundo está longe de ser preto e branco.
O resultado não poderia ser outro. O conceito de realidade na Marvel já mudou. Os heróis, a partir de agora, passarão a viver em um mundo mais complexo, lidando com diversas outras preocupações. Mas vale notar que o final mostra que continuarão existindo personagens para todos os gostos. Ainda terão aqueles que serão heróis no estilo mais tradicional (*) e aqueles que seguirão essa nova proposta.

Mas e o final? Oras, as histórias de guerra não funcionam mais nos dias de hoje. O Guilherme ontem assistiu a
Rambo 4 e viu isso. Tudo que deu certo na continuação do
Rocky não funcionou em
Rambo, porque vivemos em tempos que os heróis de guerras são abominados, pois a guerra é algo moralmente reprovável.
Contudo, não podemos deixar de lado o fato que, até algum tempo atrás, éramos altamente favoráveis às batalhas, com algumas exceções sempre tachadas como
hippies ou algo do gênero.
Assim, nada mais justo que o Capitão perceber só agora a destruição que ele está causando. Só agora essa destruição virou um problema, só agora ela foi posta em questão no universo dos super-heróis.
Vale dizer que a todo momento a Marvel mostrou uma forte tendência “contra o registro”. Pode ter sido só para despistar o leitor do final da trama, contudo, ninguém me tira da cabeça aquele texto do Greg Rucka que saiu em um dos encadernados do Arqueiro Verde sobre os leitores quererem heróis mais amargos, andando mais no “fio da navalha”, mais “realistas”. No fim, mesmo que seja uma estratégia narrativa foi um jeito de dizer que o jeito tradicional era bem legal, mas, se vocês insistem, se nos perturbam, nós vamos mudar, pelo menos até as próximas reclamações.
(*) Um dos grandes problemas de se manter alguns personagens como heróis tradicionais era o Homem-Aranha. Ele tem tudo para ser um herói de verdade em um mundo cínico (vide a versão Ultimate), mas entregou sua identidade e isso não funcionaria nesse novo conceito da Marvel. Então, como já dissemos por aqui, a editora achou mais fácil jogar os últimos 25 anos de história do personagem no lixo do que ter que lidar com o problema.