Saudades dos antigos editores da Marvel
Atenção: o texto abaixo cita eventos ainda inéditos no Brasil.
Imagine a seguinte situação: você é um assinante de uma revista de tecnologia, mais especificamente um título sobre computadores. Mas não se trata de qualquer computador, a publicação é só sobre Unix.
Agora imagine que por dois ou três meses a sua revista de computadores (Unix) publica artigos sobre PC, ou até sobre carros antigos.
Uma verdadeira felicidade para o assinante, não é mesmo?
E é mais ou menos isto que a Marvel fez recentemente com as revistas Mighty Avengers e New Avengers, que em seus dois ou três últimos números publicaram aventuras inteiras sobre "Nick Fury e seus novos agentes da S.H.I.E.L.D.", ou sobre "A queda do Império SKrull". São historias sem nenhuma participação dos Vingadores.
Claro, tem lá menções em flashback (ou melhor, retcon) de uma página ou alguns poucos quadros com algum vingador, como a Mulher-Aranha, e também da Guerra Secreta (aquela aventura com o Nick Fury e os heróis que viriam a ser os Novos Vingadores, publicada nos Estados Unidos há quase quatro anos).
Mas não é isso que o "assinante" está pagando para ler. Afinal os títulos se chamam Mighty Avengers e New Avengers, e não Mighty Avengers of the S.H.I.E.L.D. ou New Skrulls of the Illuminati Empire.
Alguém poderia argumentar: "mas é super-herói e está relacionado com o crossover da Invasão Secreta!" Sim, mas não é o que o sujeito assinou. É como dar uma revista sobre PC para um assinante de Linux, porque é tudo sobre computador; ou até mesmo uma revista de carros no lugar dos computadores, POIS é tudo tecnologia.
Antigamente, um sujeito como o Walt Simonson, por exemplo, decidia escrever uma grande saga na revista do Thor envolvendo o vilão Surtur. E o que ele fazia? Ia aos poucos inserindo pistas na revista. Um quadro aqui, outro ali, e ia progredindo, criando um clima, um quadro obscuro virava meia página, e finalmente uma página inteira, e depois de vários números havia um clima.
O leitor sabia que algo estava para acontecer e tinha várias peças do quebra-cabeça, tudo na sua revista do Thor. Até que, finalmente, chegava a hora da grande saga e a história era contada, normalmente com um resultado positivo para o leitor.
Hoje em dia, o Brian Bendis - que, diga-se de passagem, não é ruim, e já escreveu coisas boas - roteiriza uma história, no caso a Guerra Secreta, que parece ser um evento quase isolado, no máximo relacionado com o futuro dos Vingadores e do Nick Fury, mas que na última parte da minissérie (que atrasou muitos meses) tem lá um skrull desenhado num canto de uma página, no meio de uma invasão de Krees, sem o menor propósito. É tão sem propósito que o leitor pode achar inicialmente que foi erro do desenhista ou até gozação.
Quatro ou cinco anos mais tarde, esta é a história inicial da megassaga que envolve os Vingadores e todo o Universo Marvel, durante uma invasão skrull. Mas como as pistas foram simplesmente omitidas ou puladas, o escritor decide que é interessante fazer diversos retcons (inserções retroativas na cronologia, algumas vezes disfarçada de flashbacks) contando o que realmente ocorreu durante este ou aquele período enquanto você achava que nada estava acontecendo além daquilo que viu na revista que pagou para ler.
Se houvesse um único editor com algum bom senso na Marvel, esta bobagem não teria acontecido. A mesma saga teria sido contada de uma maneira muito mais racional, com a participação dos personagens nas revistas cujos títulos levam o seu nome.
Qualquer editor da velha guarda (Stan Lee, Roy Thomas, Archie Goowdwin) teria resolvido isso. Até mesmo o Bob Harras perceberia que isso é um erro estratégico, e ruim para as vendas.
Se o público-alvo são os adolescentes, dividir a saga em 200 partes ao longo de cinco anos não faz nenhum sentido, principalmente do ponto de vista financeiro. Não há adolescente, nem nos Estados Unidos, com esta grana disponível para quadrinhos.
E se o público é adulto então piorou. Afinal, o sujeito lê quadrinhos e tem poder aquisitivo, mas não é burro.
Será que e tão difícil dividir as 22 páginas de uma história só com o Nick Fury, envolvendo elementos periféricos da megassaga em algumas partes, e colocá-las no meio das revistas ao longo desses quase cinco anos?
Supondo que o problema da falta de editores mais capacitados não possa ser resolvido, parte do problema estaria solucionada se Nick Fury e a S.H.I.E.L.D. tivessem uma revista própria que não fosse às aventuras do Homem de Ferro, diretor da S.H.I.E.L.D.
A minha implicância não é com a saga ou com as histórias citadas em particular, mas com o aparente descaso com os leitores.
Eu também gostaria de saber onde está a crítica especializada americana nessas horas. Eles costumam reclamar de tudo, do sexismo ao machismo, passando por todos os outros "ismos". Mas ainda não vi ninguém reclamando que a revista dos Vingadores não traz os Vingadores.
No próximo mês: uma revista do Homem-Aranha só com histórias do Ultraman ligadas a uma aventura do Fu Manchu de 1934.
13 comentários:
Isso não é uma novidade. É consequência dos megacrossovers sem fim em que os quadrinhos americanos estão metidos desde os anos 90.
Só lá pelos idos de 2000 houve um pequeno período de "folga" em que os crossovers andaram sumidos - e ele coincidiu com o ponto mais baixo de vendas de quadrinhos dos EUA em todos os tempos.
Portanto, não dá para fugir. Essas coisas vendem! Faça sua parte não comprando. Eu sei que eu faço a minha...
Hunter (Pedro Bouça)
Problema é que... EXISTE LEITORES PARA COMPRAR!!!
Esses títulos (do TOP 20) vendem cerca de 100 mil cópias nos EUA!
E aqui mesmo com número menor, não acredito que o título vá pra banca pra não vender e tem até assinatura
... ou seja, público tem e gosta do que anda saindo, por mais que reclame, pois continua comprando.
No seu exemplo do assinante de uma revista de informática pararia de comprar e aprontaria (junto com outros descontentes) uma bela briga para ter aquilo que pagou, mas nos quadrinhos não... as pessoas ainda querem mais!!!
Abraço,
Conrad
isso me lembra de algo que odiava quando ainda colecionava revistas do homem aranha, por volta de 99, quando marvel e DC eram publicadas pela abril.
no formatinho, havia várias histórias em que o personagem principal não era o homem aranha. quando criaram aquele tal do hérois premium, aí que piorou tudo! eu lia apenas uma história do aranha e era obrigado a conviver com histórias viúva negra, thor, hulk...
o pior é que nem a maioria das páginas era do aranha, era dos outros super-hérois mesmo!
Eu já desisti da Marvel faz tempo. Sei que a DC também comete erros. Mas depois de Heróis Renascem e a Saga dos Clones eu cansei...
Sérgio, deixa de ser saudosista. A Marvel hoje passa por uma fase muito boa. Estou curtindo esses megacrossovers, e olha que eu tenho 35 anos.
As histórias antigas eram boas, mas as atuais também são.
Pois é, tem quem goste, e tem que não goste. Para os editores, importa os números. E, se tem vendido muito bem (como afinal é verdade que tem vendido), eles não enxergam nada de errado no que está sendo feito. O público gosta dessas coisas intrincadas, o público é sedento por grandes transformações, principalmente se elas parecem sugerir uma tentativa das editoras de tornar os universos dos heróis mais encaixados, coerentes e, quiçá, mais atualizados (seja lá o que for), não importa o que aconteça. Podemos dizer que hoje vivemos um período de mega-crossovers transformadores: as editoras contrataram roteiristas de peso para tentar reformular seus universos. Eu ainda estou na dúvida se vale a pena ou não, em termos de qualidade da leitura, e se as editoras vão conseguir ou não transformar os universos Marvel e DC de um modo que funcione no futuro. Vejo muita gente criticando, mas tem muita gente gostando também. Há muita expectativa e dúvidas se no final teremos algo bom ou uma grande porqueira. Ontem li meu primeiro TPB da Guerra Civil, e vou tentar acompanhar os TPBs gringos sobre Invasão Secreta e todas as Crises da DC. Vamos ver no que vai dar. O fato é que, por exemplo, 52 tem sido muito bem elogiado pelos leitores americanos. E a Invasão Secreta, pelo menos o arco do Millar, me pareceu bem interessante, sendo as críticas, ao meu ver, improcedentes.
Podemos não gostar, mas o barulho da caixa registradora está fazendo os editores felizes.
Desculpe, mas eu discordo totalmente da opinião do Sérgio. Acho que foi uma das piores comparações que já vi em minha vida (revistas de computadores e revistas de histórias em quadrinhos). São mídias diferentes, que tratam de coisas absolutamente diferentes.
Se o trabalho do Joe Quesada fosse ruim as vendas não estariam indo tão bem assim para a Marvel. Diferente da DC, que tem feito Crises atrás de Crises.....Bendis é um bom escritor e está sabendo conduzir ambas as revistas dos Vingadores de modo interessante.
E outra, não acho que estratégias como as do citado Walt Simonson em Thor funcionariam hoje em dia. Desculpe, mas as histórias precisam ser inovadas. Em Demolidor, já ocorreu do persongem central mal aparecer sem deixar a peteca cair.
Um abraço. Tiago.
Só pra lembrar: hoje uma revista top de linha da Marvel vende pouco mais de 100 mil exemplares. Se muito.
Na década de 1990, X-Men do Jim Lee (série que não é nenhuma Brastemp) chegou a bater na casa de 1 milhão.
Minha pergunta é: até quando os leitores terão saco pra isso? Ou acham que essa redução nas vendas veio por acaso?
Esses números aí do Gusman são explicados de forma bem simples: nós, leitores, estamos ficando velhos e morrendo; os que ainda não morreram, não podem comprar quadrinhos com o dinheiro da aposentadoria. E as crianças estão aí, comprando mangás. ;-)
As vendas de quadrinhos americanos andam caindo constantemente há anos. De quando em quando se consegue estancar o sangramento por uns tempos, mas a situação não se reverte.
Se alguém duvida, eis a evolução dos números do Homem-Aranha ao longo dos anos (dados reais, tirados do Statement of Ownership das revistas):
http://www.comichron.com/SalesbyTitle/AmazingSpiderMan/tabid/211/Default.aspx
Reparem como uma série que vendia consistentemente mais de 200 mil exemplares (mesmo em momentos de extrema mediocridade) viu suas vendas definharem assustadoramente ao longo do tempo.
Eu diria que a série ficou progressivamente mais hermética e inacessível a novos leitores. Quando eu comecei a ler, nos anos 80, não tive nenhuma dificuldade em "pegar o bonde andando". Depois ficou complicado até voltar a ler depois de longos períodos de ausência!
Ironicamente, a tão criticada fase Brand New Day (que eu estou adorando, obrigado) é de uma acessibilidade incomum...
Hunter (Pedro Bouça)
Desculpa mas eu vou discordar profundamente deste texto. A história é tudo, menos derespeito ao leitor. Aliás, ele justamente o contrário, porque trata com respeito o leitor, e responde com inteligência a pergunta que os fãs se perguntavam, por onde andou Nick Fury durante todo esse tempo? O que não iria funcionar se ele aparecesse a cada edição. Esse sumisso (aliás, Nick Fury apareceu periodicamente em Captain America) serviu justamente para atiçar a curiosidade do leitor e agora está sendo saciada com o respeito que ele merece, com bons diálogos, boa narrativa e uma arte belissima.
A Marvel produz muita porcaria que merece todo tipo de crítica, mas parece que a moda é bater nela de todo o jeito, até nas boas histórias.
Pois é, O brian bendis tem escrito uma saga muito boa, e acho bastante interessante quando o mesmo a pensa a longo prazo. E ela respeita inteligência do leitor. Eu parei de ler hqs de heróis por cerca de dez anos, e essa nova fase da marvel, iniciada no fim da revista original dos vinagdores, passando pela belíssima civil war, a execrável WWH,e agora com a Secret Invasion. Sinceramente, sou mais feliz por pensarem nesse tipo de abordagem.
"E se o público é adulto então piorou. Afinal, o sujeito lê quadrinhos e tem poder aquisitivo, mas não é burro."
O público jovem é burro?
A princípio, quem lê quadrinhos e tem poder aquisitivo é burro?
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