O dia em que entrevistei Don Rosa
Não é segredo a minha paixão (eu diria amor, ou até idolatria) pelos quadrinhos Disney. Imaginem, então, a minha euforia pela oportunidade que tive de estar frente a frente com um de seus maiores representantes, meu grande ídolo Don Rosa, o Mestre dos Patos.
Tudo começou em uma tarde de sábado, no mês de março de 2004, quando eu conversava ao telefone com o Sidão. Papo vai, papo vem, ele me fez a seguinte pergunta:
- Topa entrevistar o Don Rosa?
Lembro-me de, antes de responder, pensar comigo mesmo: “O cara tá perguntando a um rato se ele quer comer queijo?”.
- Tá falando sério? É claro que topo! – eu disse.
Don Rosa estaria chegando ao Brasil em maio daquele ano, como um dos convidados especiais do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco, na cidade de Recife. Como moro em Maceió, seria um pulo só até lá. O Sidão acertou com o organizador do evento para disponibilizar um tempinho do Don Rosa pra mim.
Pois bem, no dia 23 de maio (o festival só aconteceria dias depois), lá estava eu em Recife, no Mar Hotel, em que Don Rosa se hospedava. Ele estava curtindo a praia de Boa Viagem e demorou um pouco a aparecer.
Quando chegou, destacou-se no meio de uma multidão de turistas: branco feito alma penada (um pouco avermelhado por causa do sol), com bermuda até os joelhos, camiseta “ula-ula” colorida e sandália de couro, ao lado de sua esposa, Ann.
Aproximei-me e, para espantar meu nervosismo, arrisquei uma piadinha. Ou eu pagaria um mico federal, ou ele se mostraria acessível como eu gostaria que fosse. A segunda opção, graças aos deuses dos quadrinhos, aconteceu quando eu disse:
- Boa tarde, o senhor é o Clint Eastwood?
Ele começou a rir e disse que eu não era o primeiro a “confundi-lo” com o famoso ator e diretor de cinema. Pronto, ganhei-o no papo. Depois, pediu-me que o aguardasse mais um pouco, até que fosse tomar banho e trocar de roupa.
Passaram-se uns vinte minutos e ele retornou. Fomos a uma sala reservada para darmos início à entrevista. O tiozão tem uma estatura considerável, e somando-se ao fato de que sou apenas um centímetro maior que o Romário, senti-me como o Mickey diante do Prof. Pardal. Não contive um rompante de tietagem e disse:
- Meu Deus, não acredito que estou conversando com o grande Don Rosa!
A resposta foi automática:
- Sinto muito, mas meu nome é Clint Eastwood.
Caímos na risada e, a partir daí, a conversa foi uma descontração só. Ele não parava de fazer careta (principalmente para as lentes da máquina fotográfica), e dava boas gargalhadas cada vez que eu pronunciava “Róza” em vez de “Rôussa” (ou como quer que seja a pronúncia correta de seu sobrenome).
Para “dar o troco”, desafiei-o:
- Ah, vai, duvido que você consiga dizer “Tio Patinhas e Patacôncio”.
O resultado foi hilário, e está até hoje gravado na fita da entrevista. Imagine algo como um alemão tentando falar “Itaquaquecetuba”, ou a reconstituição dos primeiros ensaios da linguagem falada, nos primórdios da humanidade.
Tanta desinibição, porém, não o impedia de ficar desconcertado a cada elogio que eu fazia sobre sua obra. Ele ficou visivelmente ruborizado quando falei que o considerava o novo Homem dos Patos (e não considere isso uma heresia contra Carl Barks, por favor!).
Legal, também, foi a tiração de sarro do Mestre dos Patos com a edição brasileira da Saga do Tio Patinhas. Ele pegou um dos meus exemplares e fingiu não conseguir ver nada naquele formatinho. Chegou a perguntar:
- Tem alguma coisa impressa nisso aqui?
Uma surpresa negativa, entretanto, foi constatar que Don Rosa é quase um completo desentendido de quadrinhos. Desconhecia a imensa maioria dos personagens e quadrinhistas por mim citados. Até mesmo alguns da Disney. Do Brasil é que não sabia de nenhum, mesmo, e chegou a me pedir desculpas por isso.
Mas nada que diminuísse o brilho desse gênio da nona arte, muito menos o meu deslumbramento por estar ali com ele. Principalmente por sua simpatia.
O coroa é mesmo gente fina!
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